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Uma Noite em Bolonha - Notas ao Programa

Lado a lado com Veneza, Roma e Nápoles, Bolonha foi um dos principais centros de produção e criação musical ao longo da era barroca.

 

Diferentemente das outras três, Bolonha não tinha um suserano residente (os doges em Veneza, o Papa em Roma, reis na cidade partenopeia), nem a respetiva corte, fosse ela oligárquica (Veneza), cardinalícia (Roma) ou de casa real+aristocracia próxima (Nápoles). Capital da região da Emilia-Romanha, situada no limite sul da planície padana, com uma posição geográfica privilegiada, Bolonha era desde o início do século XVI (1506) parte integrante do Estado Pontifício (ou Estados Papais) – cidade mais rica e importante1 da parcela setentrional dessa entidade política – e nessa condição se iria manter até as campanhas de Bonaparte na década de 1790 redesenharem o mapa político italiano. Em termos de administração, isso significava que havia somente um Legado Papal, espécie de governador eclesiástico, residindo na cidade.

 

Ao nível institucional-musical, a idade barroca em Bolonha foi dominada por uma entidade histórica: a Capela Musical da Basílica de São Petrónio, templo maior da cidade, fundada em 1436, e por uma novel instituição: a Academia Filarmónica de Bolonha, criada em 1666, tendo por patrono Santo António de Lisboa/Pádua. Espécie de instituição-orquestra moderna ‘avant la lettre’, a Academia Filarmónica funcionava como um ‘filtro de excelência’ onde só os músicos mais consumados podiam entrar (havendo provas de admissão) e juntar-se a tocar2. Na verdade, essa instituição foi o corolário de um movimento de músicos e artistas que levara à aparição na cidade, desde os alvores do século XVII, de academias (na verdade, clubes ou agremiações artísticos/as) com designações várias e ligadas aos novos géneros (monodia vocal, música instrumental) surgidos e explorados desde essa altura.

 

Bolonha seria um importante centro de exploração de géneros como a música sacra, o ‘concerto grosso’, o concerto com solista e a sonata (de igreja ou de câmara), realizando-se ali uma síntese feliz de rigor contrapontístico, brilhantismo do estilo (nomeadamente a escola violinística) e eclectismo das soluções.

 

Personalidades decisivas na formação de sucessivas gerações de músicos foram Maurizio Cazzati, Giovanni Paolo Colonna e Giacomo Antonio Perti, que se sucederam enquanto mestres de capela em São Petrónio e que cobrem por si só o período que vai de 1657 a 1756. Famosos músicos da Capela neste período foram figuras como Domenico Gabrielli, Giuseppe Jacchini, Giovanni Battista Vitali e Giuseppe Torelli.

 

Mesmo uma figura como Arcangelo Corelli, que ficou como quintessência do Barroco romano, nasceu em território bolonhês e nessa cidade se formou musicalmente, sendo admitido aos 17 anos na Academia Filarmónica e, embora já em Roma desde 1675, fez editar na cidade emiliana a sua colecção de Trio-sonatas, op. 3, em 1689.

 

Dos compositores do presente programa, apenas Bellerofonte Castaldi, Carlo/Giovanni Ambrogio Lonati e Pandolfi-Mealli têm uma relação apenas indirecta com Bolonha: os opp. 3 & 4 de Mealli estão guardados no Civico Museo Bibliografico Musicale de Bolonha; Lonati esteve activo nas cidades vizinhas de Modena e Mântua e coincidiu com Corelli nos primeiros anos deste em Roma; já com Castaldi é um evento trágico: a propriedade familiar que herdara (perto de Modena) foi completamente destruída numa disputa fronteiriça entre o Estado Pontifício e o Ducado de Modena, o que fez com que viesse a falecer arruinado.

 

Castaldi distinguiu-se como tiorbista, na tradição do ‘canto al liuto’, ou seja,  alaúdista-cantor, tocando e cantando composições e canções de sua autoria – no caso dele sendo ainda o autor das letras/poesias –, ilustrando assim uma faceta particular da monodia vocal. Já Lonati e Mealli distinguiram-se enquanto mestres do violino: virtuoses na execução e inovadores na escrita e improvisação (as duas coisas iam de par), sendo que, no caso de Mealli, estamos diante de alguém que cultivou o chamado ‘stylus phantasticus’, cujas particularidades a Sonata ‘La Biancuccia’ (parte de um conjunto de 12 que fez editar em Innsbruck, em 1660, e cujos títulos remetem para instrumentistas e cantores seus colegas na corte de Innsbruck) ilustra com eloquência. Mealli e degli Antonii configuram, no que às Sonatas incluídas neste programa concerne, as ‘luzes’ de partida, num caminho que há-de chegar à forma madura, tal como praticada por Alberti e por Corelli, surgindo ainda Jacchini como um dos primeiros proponentes do violoncelo como sujeito solístico em sonatas. 

 

 

Notas de rodapé:

1 – Bolonha teria cerca de 60.000 habitantes em 1700

2 – Em 1721, a Accademia Filarmonica tinha aprox. 300 membros

 

Bernardo Mariano (musicólogo)