O poder feminino: 10 rainhas que deixaram a sua marca em Sintra
17 jul. 2025
Sabia que Sintra não deu só palco a reis e a grandes homens da corte? Muitas mulheres da História de Portugal deixaram por aqui a sua marca – Algumas reinaram nos “bastidores”, ao lado dos seus reis, outras assumiram os comandos do país. Destas 10 que apresentamos, todas têm em comum este cenário mágico, Sintra.
A Casa das Rainhas: muito mais que um título
Vamos por partes. Durante séculos, existiu em Portugal uma estrutura oficial dedicada às rainhas, a Casa das Rainhas. Não era uma “casa” no sentido comum, mas sim uma verdadeira instituição com rendimentos próprios, provenientes de rendas, impostos e outros bens. Ou seja, mais do que “figuras decorativas”, as rainhas geriam estes territórios, assumindo não só um cargo de alta responsabilidade, mas conseguindo, ao mesmo tempo, um grau considerável de independência. Sintra fez parte da Casa das Rainhas desde o século XIII até à sua extinção. Um poder pouco conhecido, mas muito ‘real’ – descubra mais sobre este lado feminino da História de Portugal.

A história dos Palácios de Sintra cruza-se, em diferentes momentos, com as histórias de vida de diferentes rainhas. Vamos conhecer algumas delas.
D. Isabel de Aragão, a Rainha Santa que pôs Sintra a celebrar o Espírito Santo:
Uniu-se em matrimónio a D. Dinis em 1282 e, como parte do seu casamento, recebeu o castelo de Sintra. Mais tarde, em 1287, passou a ser senhora da vila. A sua profunda religiosidade e o cuidado que sempre demonstrou para com os mais necessitados é algo sobejamente conhecido e pensa-se que terá sido a Rainha Santa, como ainda hoje é conhecida, a introduzir em Sintra o culto ao Espírito Santo (a quem é consagrada a capela do Palácio Nacional de Sintra). Ainda hoje, em algumas terras do concelho, esta festa é celebrada com pompa e circunstância!
D. Leonor Teles, a mais poderosa:
Enquanto rainha consorte de D. Fernando I, D. Leonor recebeu vastos domínios, incluindo Sintra, sobre os quais exerceu quase total autoridade, nomeando oficiais e administrando o território em nome do rei. Com a morte de D. Fernando, em 1383, D. Leonor assumiu a regência em nome da filha, D. Beatriz, prometida em casamento ao rei de Castela. Segundo as crónicas da altura, o concelho de Sintra foi fiel a D. Leonor – Em 1384, o Mestre de Avis, irmão bastardo de Fernando I, líder do partido contrário ao de D. Beatriz e D. Juan I, confiscou os bens de vários moradores de Sintra por não estarem alinhados com ele. Mais do que estar ‘aos comandos’ deste território, D. Leonor tinha o apoio dos sintrenses – era a própria população que se punha do lado da rainha e contra o futuro D. João I. D. Leonor Teles acaba por ser, de todas as rainhas medievais, a que teve mais poder em Sintra.
D. Filipa de Lencastre, a very british queen in Sintra:
Uma ‘inglesa de gema’, que teve dificuldades em adaptar-se à corte portuguesa. Assim podemos descrever a mulher de D. João I, uma das rainhas que ‘tomou conta’ de Sintra. Ainda hoje encontramos no Palácio Nacional de Sintra a sua marca. Contrariamente ao que se foi espalhando por Sintra, as representações que encontramos no teto da Sala das Pegas nada têm a ver com aventuras românticas ou coscuvilhices locais – não se sabe ao certo o que representam as 136 pegas pintadas nesta sala, mas a presença das rosas nas patas destes pássaros possivelmente alude à Casa inglesa de Lancaster, à qual pertencia a rainha D. Filipa de Lencastre. “Por bem” era a divisa de seu marido, D. João I. A história poderia ser muito mais sumarenta… Mas é, muito provavelmente, a mais simples que se pode contar.
Preferiu deixar a governação de Sintra para os seus oficiais, mas a verdade é que, com o seu feitio vincado e hábitos rígidos – fazia jejuns e longos períodos de abstinência – D. Filipa de Lencastre mostrou ter firmeza para participar ativamente na diplomacia, contribuindo decisivamente para o fortalecimento da aliança entre Portugal e Inglaterra, a sua terra do coração, que, mesmo que apenas em espírito, nunca abandonou.

D. Catarina d’Áustria e as “serejas de Simtra":
Durante o período de regência aquando da menoridade do seu neto, D. Sebastião, D. Catarina d’Áustria encontrou em Sintra uma espécie de retiro. O Paço de Sintra acabou mesmo por se tornar um dos espaços preferidos de D. Sebastião, que aqui passou largas temporadas. D. Catarina D’Áustria é responsável pela fundação da Santa Casa da Misericórdia, cuja igreja e hospital ficavam em frente ao Paço de Sintra.
Uma curiosidade: além de gostar muito de Sintra e do Paço Real, a rainha gostava ainda mais das iguarias da terra. Um livro de despesas da sua casa de 1571 permitiu conhecer o que era apresentado à mesa da rainha e suas damas, nomeadamente “as serejas de Simtra”. Além disso, outros registos mostram que a rainha recebia como pagamento pelo arrendamento das suas terras em Sintra água rosada e de flor (águas perfumadas) e potes de mel. Pode-se dizer que era uma rainha que gostava do lado mais doce de Sintra.
D. Luísa de Gusmão – abram alas para a rainha!:
A mulher de D. João IV assumiu por diversas vezes responsabilidades governativas, sobretudo nas ausências do rei, mantendo-se politicamente ativa mesmo depois da sua morte. Como rainha, ficou na posse de todos os bens pertencentes à Casa das Rainhas e, juntamente com o monarca, criou uma instituição própria para a sua gestão: a Casa e Estado das Rainhas. Sintra foi a primeira das suas propriedades a ser visitada. E que visita! O testemunho da sua vinda, em julho de 1652, mostra como foi tudo feito com grande pompa e circunstância: todos os caminhos que levavam e saíam de Sintra deveriam estar bem decorados para celebrar a passagem da Rainha; Se fosse necessário, a Câmara deveria convocar pedreiros e cabouqueiros que, com picaretas, romperiam penedos e destruiriam qualquer estorvo que impedisse a passagem do cortejo; Os povos de todas as freguesias tinham de estar obrigatoriamente presentes para verem a Rainha passar – de Colares, exigia-se que as suas moças trouxessem cestas com a melhor fruta para oferecer à soberana.
Mas nem tudo eram festas: D. Luísa da Gusmão teve uma intervenção direta em Sintra, nomeando e distinguindo oficiais locais, incluindo mulheres, algo muito invulgar para a época.

D. Maria I, a ‘louca’ por Queluz:
Foi a primeira mulher a reinar Portugal por direito próprio e a primeira rainha que se instalou na Sala das Pegas, no Palácio Nacional de Sintra, sala habitualmente reservada aos reis. No entanto sempre preferiu o Palácio de Queluz, palácio que nesta altura acabou por se tornar a residência oficial da Família Real. Como se pode ver nas cartas que trocava com a filha, D. Maria I gostava muito de aproveitar os jardins de Queluz e toda a envolvência: “(…) tenho dado meus passeios na quinta a cavalo e fora dela a Belas. Tenho ido duas vezes. Dia de S. Lourenço tivemos aqui cavalhadas (…) Os vestidos estavam bonitos e o fizeram bem. Depois houve touros que não foram bons porque eram moles e os capinhas também, entrando o Ramires que tu conheces. Isto se fez por conta da Carlota [Joaquina]. Ela dos touros disse que não gostava muito o que não é da nação. A iluminação ainda não se tem podido fazer pelos ventos que tem havido”, lê-se numa carta escrita em agosto de 1785. Noutra, de 1786, dava conta das bonitas flores que encontrava nos jardins do Palácio: “Sempre tivemos bastantes flores em Queluz e lá fomos a pô-las nas jarras que ficaram bonitas, ainda que, o dia esteve com chuveiros pela manhã, mas agora têm estado bons”. Foram tempos felizes aqueles que viveu em Queluz, mas acabou por ter de abandonar o seu querido Palácio: tornou-se a primeira monarca europeia a pisar as Américas, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil aquando das invasões francesas – nessa altura, o Rio de Janeiro passou a ser a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
D. Carlota Joaquina, de princesa ‘mimada’ a ‘megera’ de Queluz:
Nasceu em Madrid, mas aos 10 casou com o infante João, filho de D. Maria I, rainha de Portugal. Ao chegar a Portugal, passou muito tempo em Queluz. Lendo cartas enviadas do infante D. João para a irmã, podemos perceber que Queluz foi um local de que D. Carlota gostava bastante: “Nós fomos anteontem a Queluz. A infanta [Carlota] gostou muito e me disse que este paço não tem fim”. Mas a verdade é que era uma criança… desafiante: “Não posso deixar de dizer a Vossa Alteza que nestes dias Sua Alteza [Carlota] tem estado muito impertinente, com modos muito rudes, e tem feito muito mal as lições, especialmente a do padre Felipe (…) Também no sábado, enquanto almoçava com o infante [Dom João], pegou um pedaço de linguado e atirou-o contra uma camareira que estava a servir à mesa. Parte acertou no rosto do senhor Infante, o que ele não gostou nada, embora Sua Alteza tenha se desculpado dizendo que não fizera de propósito (…)”, escreveu a sua ama, Miquelina, numa carta enviada à Princesa das Astúrias, mãe de Carlota Joaquina, em 1785. Poderíamos até pensar que estamos perante uma verdadeira princesa das histórias efabuladas, com os seus humores peculiares e as suas manias intransigentes: "Senhora, ontem e hoje Sua Alteza [Carlota] tem estado muito teimosa, sem querer fazer nada do que lhe dizem (…) Esta manhã, para calçar-se, colocar o espartilho e tomar chocolate, ficou das oito até às dez, e quanto mais lhe pediam que se apressasse, mais ela se calava e demorava ainda mais. Quando tomava o chocolate, estava presente a Infanta Dona Mariana, que esta manhã disse que em toda a sua vida nunca viu alguém demorar tanto para tomar chocolate, pois ela levou três quartos de hora”, refere a ama noutra carta.
Carlota Joaquina teve 9 filhos, dos quais 6 nasceram no Palácio de Queluz, incluindo D. Pedro IV. Não foi apenas uma mãe dedicada, teve ambições políticas marcadas, chegando a conspirar contra o marido. Mais tarde, tentou criar um novo reino na América do Sul, mas sem sucesso. Com a Revolução Liberal, recusou jurar a Constituição de 1822 e apoiou o filho D. Miguel na luta contra os liberais. Os seus planos fracassaram e acabou por ser afastada da corte.
É verdade que ficou conhecida como a “Megera de Queluz”, alcunha dada pelos liberais, mas também como heroína dos absolutistas. Acabou por morrer em Queluz, o palácio que a viu crescer e que acompanhou os seus altos e baixos enquanto uma das mulheres mais fortes da monarquia portuguesa.

D. Maria II, a inspiração por detrás do Palácio da Pena:
O reinado de D. Maria II não foi fácil: da Revolução de Setembro à reforma da Carta Constitucional, muita coisa aconteceu em Portugal durante os anos em que esteve no poder. Por isso, não podia ser uma mera figura aspiracional – foi uma mulher forte, que arregaçou as mangas e governou o país durante um dos períodos mais conturbados da sua História. O seu escape? A família. Casada desde 1836 com Fernando de Saxe-Coburgo e Gotha, D. Maria adorava os momentos em família, com o seu marido e os seus filhos. Tanto que, dois anos após o casamento, D. Fernando decidiu dar forma a um sonho: construir, com os seus próprios recursos, um refúgio para a sua família. Desta forma, nasce o Palácio da Pena, um lugar romântico por excelência, feito à medida do seu amor por D. Maria II e pela família que construíram.
Maria II foi sempre uma presença muito assídua no palácio em construção, onde teria até aposentos provisórios no núcleo do antigo mosteiro. Acompanhada pelo marido, seguiu de perto o progresso dos trabalhos. Juntos percorreram os corredores em construção, lado a lado com o Barão de Eschwege, responsável pelo projeto, como recorda o cronista Félix Lichnowsky ,num relato de 1842. Nessa época, quatro anos após o início da obra, o palácio já possuía compartimentos habitáveis, decorados ao gosto do casal: “Os quartos, segundo o desejo de Suas Magestades, foram ornados com grande simplicidade; apezar do que, contêm um grande número desses antigos móveis, de que Portugal é tão rico (…)”. A criação e plantação do parque foi igualmente uma paixão partilhada. Uma carta escrita pela rainha em francês mostra como se dedicava a cada detalhe: juntamente com o jardineiro Bonnard, decidiu enviar 84 pés de camélia para plantar no palácio, incluindo todas as que existiam no terraço do Palácio das Necessidades.
As Folhas da Despezas na Real Obra e Quinta da Penna apresentam despesas de vários almoços tomados por D. Maria II juntamente com o marido, respetivos filhos e comitiva. Essas ocasiões são mencionadas por D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Marquês de Fronteira e d’Alorna, nas suas Memórias, onde destaca o ambiente familiar e doméstico predominante, ao referir que: “os Reis, como todos nós, gostam de viver em família; a Rainha gostava d’isto, como boa mãe de família, e na encantadora Pena, em Cintra, rodeada dos seus, fazia servir merendas ou jantares.
O Palácio da Pena foi pensado para ser o refúgio de D. Maria II, mas a rainha acabou por morrer durante o parto do seu 11º filho, antes do final das obras e nunca chegou a usufruir do seu palácio de sonho. Ficou o símbolo de uma grande história de amor, que pode ser visitado por todos nós.

D. Maria Pia, a última habitante do Palácio Nacional de Sintra:
Chegou a Lisboa a 5 de outubro de 1862, sem imaginar que, 48 anos depois, nesse mesmo dia, a monarquia daria lugar à República e teria de fugir de Portugal. A mulher de D. Luís I destacou-se pelo carácter firme, pela inteligência e por um forte sentido de dever. Na biografia Eu, Maria Pia, a duquesa de Cadaval traça o retrato de uma mulher sensível, apaixonada pela arte, pela moda e pela vida. Mas a 5 de outubro de 1910, a sua vida deu uma volta inesperada: D. Maria Pia encontrava-se no Paço de Sintra quando a monarquia caiu. É de lá que foge para Ericeira, de onde partiu, juntamente com a nora e o neto, para o exílio. Foi a última monarca a fazer o seu dia-a-dia no Palácio Nacional de Sintra, a dar vida àquelas salas esplendorosas, àquela cozinha imponente, a todo aquele Paço inesquecível.
D. Amélia de Orleães, a última habitante do Palácio da Pena:
A mulher de D. Carlos, nutria um grande carinho pelo Parque e Palácio da Pena. Era frequente passar ali longos períodos, desfrutando da natureza envolvente, apanhando sol no terreiro e aproveitando o clima ameno de Sintra. A 3 de Outubro de 1910, D. Manuel II avisou a sua mãe, D. Amélia, da instabilidade crescente no país. A rainha-mãe compreendeu de imediato que não poderia permanecer em Sintra por muito mais tempo. Assim, na manhã de 5 de outubro, D. Amélia e a rainha D. Maria Pia deixaram o Palácio da Pena e o Paço de Sintra, respetivamente, dirigindo-se para a Ericeira, onde se reuniram com o rei. Foi a última vez que membros da família real habitaram estes palácios. Nesse mesmo dia, foi proclamada a República em Portugal. Com este desfecho, D. Amélia de Orleães ficou para a História como a última rainha consorte antes da queda da monarquia e última monarca a viver na joia da Serra de Sintra.
