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Casa das Rainhas – Durante séculos, Sintra foi gerida por (grandes) mulheres

08 mar. 2024

Quando pensamos em gestão do reino, temos tendência a pensar na figura do rei. Existe a perceção geral – amplamente difundida nos mais diferentes meios – de que o rei tomava conta de todo o território, de todos os afazeres políticos, jurídicos, administrativos e financeiros, recorrendo aos seus homens mais próximos para o ajudarem nestas árduas tarefas. A rainha seria apenas uma figura (quase que) decorativa, responsável exclusivamente por garantir a sucessão.

 

Mas esta ideia não corresponde aos factos históricos – na realidade, existiam terras do país que estavam sob o comando não do rei, mas da rainha de Portugal. A Casa das Rainhas – nome dado ao conjunto de bens doados pelos monarcas às suas consortes – trazia não só responsabilidades a estas mulheres, mas também um certo nível de independência. Isto porque as rainhas contavam com os rendimentos provenientes destas terras – rendas, impostos, bens, entre outros.

 

Estas doações começaram a ocorrer muito cedo na História de Portugal: “D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, através do seu testamento, reservou à manutenção de uma albergaria que fundara em Canaveses determinados direitos de portagem. Tal facto induz a pensar que a terra em questão lhe pertencia, embora continuem a subsistir dúvidas sobre se as referências a D. Mafalda se reportam à mulher de D. Afonso Henriques ou à filha de D. Sancho I”, lê-se no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

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Sintra passou a fazer parte da Casa das Rainhas no século XIII – existem documentos que referem que D. Mécia Lopes de Haro, mulher de D. Sancho II, foi senhora do Castelo de Sintra (circa 1240). Em 1281, no ano em que casa com D. Isabel de Aragão, a ‘Rainha Santa’, D. Dinis ordena aos ‘mouros forros’ (libertos) de Colares a manutenção do Paço de Sintra, das almedinas velhas do Castelo e dos eirados da torre. Seis anos depois, em 1287, o rei doa a vila de Sintra a D. Isabel. A monarca passa assim a ter sob sua alçada Abrantes, Óbidos, Porto de Mós, Vila Viçosa, Monforte, Ourém, Feira, Gaia, Lamoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte do Rio Livre, Portel, Montalegre e Sintra, “para além de rendas em numerário e das vilas de Leiria e Arruda (1300), Torres Novas (1304) e Atouguia (1307). Eram ainda seus os reguengos de Gondomar, Rebordões, Codões, para além de uma quinta em Torres Vedras e da lezíria da Atalaia”, refere a mesma página da Torre do Tombo.

 

A Casa das Rainhas englobava não só as terras e suas rendas, mas também todo um rol de pessoas, desde senhoras nobres e oficiais a serventes e pessoas escravizadas. Todas as propriedades continuavam a ser da coroa, mas a rainha era a beneficiária dos seus rendimentos e proventos económicos, que permitiam manter uma Casa. Por exemplo, no rol da gente cortesã que estava na vila de Almeirim em 1545, contava-se 640 pessoas da Casa da Rainha D. Catarina de Áustria.

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A doação de património às rainhas tornou-se uma prática corrente ao longo dos séculos. De acordo com os documentos históricos que chegaram até aos dias de hoje, Sintra (e muitas outras vilas) esteve sob gestão de várias rainhas. A primeira foi D. Mécia Lopes de Haro, mulher de D. Sancho II, que recebeu o Castelo de Sintra como presente de casamento. Seguiram-se D. Isabel de Aragão (mulher de D. Dinis), D. Beatriz (mulher de D. Afonso IV), D. Leonor Teles (mulher de D. Fernando), D. Filipa de Lencastre (mulher de D. João I – foi no seu reinado que o conjunto de terras da rainha estabilizou e que o rei definiu os seus poderes sobre esses territórios), D. Leonor de Aragão (mulher de D. Duarte), D. Isabel de Coimbra (mulher de D. Afonso V), D. Leonor de Lencastre (mulher de D. João II), D. Catarina de Áustria (mulher de D. João III), D. Luísa de Gusmão (mulher de D. João IV), D. Maria Francisca de Saboia (mulher de D. Afonso VI e D. Pedro II), D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo (mulher de D. Pedro II), D. Maria Ana de Áustria (mulher de D. João V), D. Mariana Vitória de Bourbon (mulher de D. José), D. Maria I e D. Carlota Joaquina (mulher de D. João VI).

 

A Casa das Rainhas teve uma administração independente até 1769. No ano seguinte, durante o reinado de D. Maria I e por decisão do Marquês de Pombal, os rendimentos da Casa passaram a ser geridos pelo Erário Régio. No entanto, as despesas continuavam a ser autorizadas pela rainha.

 

A implantação do regime liberal em Portugal trouxe grandes mudanças no funcionamento da monarquia: em 1833, foi extinto o Tribunal do Conselho da Casa Real e Estado das Rainhas e as suas dependências.