André Fernandes - Dianho
André Fernandes é um músico completo, como guitarrista, improvisador ou compositor, e cada projecto seu nunca deixa de surpreender. Músico irreverente, apresenta em 'Dianho' um universo musical com múltiplas influências que vão desde o rock até às mais contemporâneas abordagens jazzísticas. As contribuições de José Pedro Coelho e João Mortágua (saxofones), Francisco Brito (contrabaixo) e João Pereira (bateria) transformam este grupo numa explosão electrizante de criatividade musical.
PEDRO MOREIRA | CLAVE NA MÃO
Programa
- Maria Gancha
- Homem das Sete Dentaduras
- Tardo
- Aventesmas
- Velha da Égua Branca
- Trasgos
- Bicha-Serpe
- Dragão
Todos os temas são da autoria de André Fernandes.
Notas ao programa
Nos primeiros anos da adolescência, havia duas bandas que reconciliavam o meu simultâneo gosto pelo rock, que ia descobrindo com os amigos (olá, Rui e Bebita, por onde andam vocês?), e pelo jazz, que o meu pai me dava a ouvir. Blood, Sweat & Tears e os Chicago do início tinham reunido nas mesmas músicas aquilo de que eu mais gostava: guitarras em distorção e blocos compactos de instrumentos de sopro. Quando oiço os Centauri de André Fernandes lembro-me desses tempos e percebo que continuo a ser a mesma pessoa, passados todos estes anos.
Na primeira faixa deste novo álbum fico, por isso, logo rendido: os saxofones de José Pedro Coelho e João Mortágua e a seis-cordas eléctrica de Fernandes seguem em 'Maria Gancha' essa tradição e a ela voltam, várias vezes, ao longo deste 'Dianho'. Chapa ganha, logo à partida. Os rasgos composicionais do guitarrista e líder fazem o resto, desde o jazzisticamente mais formalista 'Homem das Sete Dentaduras' ao extravagante (no sentido em que nos leva por caminhos não adivinháveis momentos antes) 'Velha da Égua Branca', com uma passagem pelos blues de “vaudeville” rural trazidos por 'Tardo', peça que funciona como mediadora do conhecido com o inesperado.
Se essa é a fruição pessoal e intransmissível que tenho deste disco, há outra que vem intencionalmente preparada de origem por este grupo e que é completada pelo contrabaixo de Francisco Brito e pela bateria de João Pereira: este novo trabalho de André Fernandes vai beber ao imaginário pagão que ainda sobrevive em algumas regiões do nosso país, em especial o mirandês, celebrado, por exemplo, nos rituais de solstício do Inverno.
Sobrevivem, pois, nesta música os demónios e as assombrações traquinas da ancestralidade portuguesa, mesmo que pouco mais de especificamente lusitano encontremos nestes temas (oiça-se, por exemplo, o bamboleante e divertido 'Trasgos'). A derradeira oferta do CD, 'Bicha-Serpe', começa com uma melancolia que nos é bem familiar, mas transforma-se num hino com tudo o que os hinos têm de épico. Para todos os efeitos, o que é um ritual, desde sempre na nossa cultura celtibérica, senão um esconjuro?
RUI EDUARDO PAES - Ensaísta de música
(Rui Eduardo Paes escreve segundo a antiga ortografia)
Casa de Chá de Monserrate
Aberta nos dias de concerto, entre as 18h30 e as 20h30.