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Histórias de tragédia e amor: o que nos contam as estátuas dos Jardins do Palácio de Queluz?

19 jul. 2023

Nada era feito por acaso nos palácios portugueses: seja nas questões práticas do dia-a-dia, na logística para a organização de grandes festas ou na decoração dos espaços, tudo era pensado ao pormenor. E os Jardins do Palácio Nacional de Queluz não eram exceção.

 

Os espaços exteriores do palácio foram decorados com lagos e conjuntos escultóricos em pedra e em chumbo. As esculturas em mármore chegaram de Itália, entre 1757 e 1765, e as de chumbo de Inglaterra, em 1755 e 1756. Estas são da autoria de John Cheere (1709-1787). Estes elementos reforçaram a imponência dos jardins de Queluz numa linguagem atualizada para os padrões da época, numa constante alusão à natureza, aos amores dos deuses, aos animais exóticos, a exaltação dos temas adequados aos jardins.

 

Atualmente, os visitantes têm todo um percurso mitológico a descobrir. Vamos, então, conhecer algumas das figuras e das histórias representadas nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz:

 

 

Vertumno e Pomona

Numa das estátuas, é possível ver a representação de Vertumno – deus que tinha o dom de se transformar em quantas formas quisesse – e Pomona – ninfa que vigiava os frutos. Reza a lenda que Vertumno terá usado uma máscara de velha para conquistar Pomona. E repare na figura ali escondida em baixo: é Cupido, símbolo do desejo universal e mediador dos amores humanos e divinos.

 

 

Vénus e Adónis

Vénus e Adónis são os protagonistas de uma grande história de amor.

Enquanto brincava na floresta com o seu filho Cupido, Vénus (Afrodite na mitologia grega) foi atingida no peito por uma das flechas lançadas pelo filho e, no instante em que olhou para Adónis, um jovem humano de grande beleza, apaixonou-se, deixando para trás outros amores. Quando Adónis morre, Zeus dá-lhe a oportunidade de viver parte do ano junto de Vénus. Esta passagem anual do reino dos mortos para o mundo alegre de Vénus foi interpretada como um símbolo do ciclo da natureza – Trata-se de um dos grandes mitos antigos associados à morte e ressurreição.

 

 

Baco e Ariadne

Outra conhecida história de amor é a de Baco (Dioniso na mitologia grega) e Ariadne, princesa de Creta.

Depois de ter sido abandonada pelo ateniense Teseu na ilha de Naxos, Ariadne é consolada por Baco, que acaba por se apaixonar e fazer da princesa sua esposa. O deus das festas e do vinho oferece a Ariadne, como presente de casamento, uma tiara de ouro, cravejada de pedras preciosas. A pedido da princesa, Baco atira a tiara ao céu quando Ariadne morre, conservando, assim, a sua beleza para sempre, em forma de constelação – a Corona Borealis, também conhecida como a constelação da Coroa do Norte.

 

 

Eneais e Anquises

A Guerra de Troia é, provavelmente, um dos conflitos bélicos mais falados e representados ao longo dos séculos. Nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz, é possível encontrar uma escultura que remete para um dos momentos cruciais deste combate – a fuga de Eneias.

O chefe dos troianos escapou ao saque da cidade de Troia carregando às costas o seu pai, Anquises. Nesta representação, acompanham-no a sua mulher Creusa e o seu filho Ascânio. Este é o ponto de partida para a saga de Eneias rumo à península itálica, como conta a ‘Eneida’, de Virgílio.

 

 

Rapto de Proserpina

Ao passear pelos Jardins do Palácio Nacional de Queluz, irá deparar-se com várias cenas de amor, mas também com representações de momentos dramáticos. Um deles é o Rapto de Proserpina (Perséfone na mitologia grega).

A filha de Júpiter e Ceres (Deméter na mitologia grega) é raptada por Plutão (Hades na mitologia grega) e levada para as profundezas da Terra. Furiosa, Ceres, deusa da agricultura e das colheitas (que também está representada nas estátuas dos Jardins de Queluz), destruiu todas as plantações. Esta reação levou Júpiter a negociar com Plutão: Proserpina passaria metade do ano com a mãe e a outra metade com Plutão.

Este mito simboliza a mudança das estações do ano: quando Proserpina estava com Plutão, a natureza morria e vinha o inverno; quando estava com a mãe, as plantas renasciam e chegava a primavera.

 

 

Marte e Minerva

A Sala dos Archeiros era a entrada nobre do Palácio Nacional de Queluz. Aberta diretamente para o Jardim Pênsil, era aqui que os archeiros montavam a sua guarda. Mas não eram os únicos responsáveis pela segurança do palácio: o seu portal exterior é guardado por Marte (Ares na mitologia grega) – deus da guerra e da juventude, que simboliza a força masculina – e a sua irmã Minerva (Atena na mitologia grega), que ao contrário de Marte, representa a vitória da razão e da justiça sobre a impulsividade.

Os ‘guardiões’ do Palácio acabam, assim, por representar um equilíbrio entre si.

 

 

Príapo

A presença de Príapo nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz não surge por acaso. O deus da fecundidade era também o guardião dos jardins. Era considerado o protetor dos vinhedos, dos pomares, dos rebanhos e dos produtos hortícolas.

A figura de Príapo era vista quase como um ‘amuleto da sorte’: os antigos deixavam junto a esta estátua instrumentos de jardinagem, cestos para fruta, uma foice, um bastão para afastar ladrões e uma vara para amedrontar os pássaros.

 

 

Flora

Outra deusa responsável por guardar os Jardins do Palácio Nacional de Queluz é Flora (Clóris na mitologia grega). É a deusa das flores, da Primavera e presidia ao desabrochar de "tudo o que floresce". Esta deusa tinha até uma grande festa em sua honra: a Floralia. Este festival romano começava a 28 de abril e terminava a 3 de maio.

 

 

Meleagro e Atalante

Já ouviu falar na história da caça ao javali de Cálidon?

Neste mito grego, vários heróis juntaram-se para combater um monstruoso javali. Atalante foi a primeira a acertar no animal, com uma flecha nas costas, e Meleagro – filho de Eneu, rei de Cálidon – acabou por dar o golpe fatal. Depois de o matar, Meleagro oferece a pele do javali a Atalanta.

Esta história teve um final trágico: os restantes intervenientes mostraram-se descontentes por o prémio ter sido dado a Atalanta, uma mulher. Entre os descontentes estavam os tios de Meleagro, irmãos da sua mãe, Althaea. No meio de várias discussões e confrontos, Meleagro acaba por matar os tios. Segundo foi descrito por Ovídio em ‘Metamorfoses’, Althaea decide vingar os irmãos. Aquando do seu nascimento, as Parcas (divindades que controlavam os destinos dos mortais) concederam a Meleagro a mesma longevidade que um pedaço de madeira. Depois de muito ponderar, Althaea decide queimar e fazer desaparecer o tição mágico, acabando assim por matar o próprio filho. De seguida, suicida-se.