Trabalhos de restauro no Palácio da Pena revelam pinturas decorativas originais

01 set. 2025

A mais recente descoberta mostra que o Palácio Nacional da Pena ainda tem muitos segredos por revelar. Durante trabalhos de conservação e restauro foi desvendada e recuperada a pintura decorativa original da Segunda Sala de Passagem, ou seja, a que foi escolhida por D. Fernando II – o rei que ordenou a construção do Palácio – para esta divisão e, entretanto, ocultada pela última intervenção datada do século XX. Os visitantes podem, agora, admirar uma sala em tons de azul, com emolduramentos em tons de ocre, cuja pintura apresenta uma sugestão oriental, potencialmente inspirada em motivos chineses, com florões na parede e, no teto, uma treliça executada na técnica semi- trompe l’oeil. O ambiente exótico idealizado por D. Fernando II completa-se com o mobiliário e com os restantes objetos que o monarca selecionou para este espaço e que estão de regresso ao local original, após a revisão da museografia.

 

Fotografias do início do século XX foram ponto de partida, mas havia mais para descobrir

 

O projeto de conservação e restauro da Primeira e da Segunda Salas de Passagem do Palácio Nacional da Pena – assim chamadas por estarem localizadas na transição entre o mosteiro do século XVI adaptado a núcleo privado do palácio e o Palácio Novo construído para receber convidados – foi precedido de uma investigação aprofundada. No caso da Segunda Sala de Passagem, muito embora se observasse um revestimento em tom cinza-azulado liso, a informação histórica obtida através de documentação fotográfica indicava a possível existência de uma pintura decorativa anterior nas paredes.

 

Numa primeira fase, as equipas de conservadores-restauradores realizaram sondagens parietais que permitiram comprovar a existência dessa campanha anterior e fazer uma descoberta surpreendente, que merece especial destaque: o revestimento decorativo original do teto, do qual não se conhece nenhum registo fotográfico. A investigação levada a cabo no local, a par das técnicas de registo e documentação inerentes à metodologia de conservação que a Parques de Sintra utiliza, tornaram possível este achado.

 

Para garantir a salvaguarda dos vestígios existentes, que serviram de base à recuperação da totalidade dos revestimentos parietais, seguiu-se um trabalho minucioso e demorado. A intervenção delicada foi efetuada manualmente, com recurso a utensílios de pequenas dimensões e a técnicas de remoção testadas e desenvolvidas especificamente para os materiais e o local em causa.

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A concretização deste projeto de conservação e restauro, que levou cerca de um ano, envolveu uma equipa multidisciplinar, composta por conservadores-restauradores, arquitetos e engenheiros, que contribuiu para a definição da estratégia e seleção dos materiais mais adequados à recuperação do espaço.

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Provavelmente executada na década de 1860, por pintores contratados pela firma Barbosa e Costa (que, além de fornecer mobiliário, têxteis e acessórios, também serviu como empreiteiro de obras decorativas), a pintura original da Segunda Sala de Passagem apresenta elevada qualidade artística, revelando um cuidado excecional da decoração dos paramentos deste compartimento, que, agora, volta a ser possível observar. A repetição de medalhões vegetalistas com ligeiras gradações de tons lembra os têxteis utilizados em revestimentos de paredes, típicos desta fase histórica-artística.

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Da luz para a sombra, entre o revivalismo e o exotismo

 

Os trabalhos de conservação e restauro devolveram às Salas de Passagem características semelhantes às existentes no período de D. Fernando II: a Primeira, em tons de ocre, clara, luminosa e marcada pelo revivalismo da pintura decorativa neogótica; a Segunda, em penumbra, nos tons de azul e com referências aos exotismos. Este tipo de efeito abrupto entre luminosidade e escuridão impressiona os sentidos e é uma característica importante da arquitetura de interiores do período Romântico.

 

Paralelamente, a Parques de Sintra realizou um estudo detalhado dos inventários, da correspondência de época, das coleções do Palácio Nacional da Pena e de outros palácios nacionais (Mafra e Ajuda), com vista à musealização destas divisões. Nos palácios e casas de elite, estes espaços de distribuição entre aposentos funcionavam como pequenas galerias de obras de arte. O Palácio da Pena seguia esta tendência.

 

A investigação, desenvolvida com o propósito de reconstituir estes compartimentos (ou aproximá-los) de acordo com a época em que foram habitados pela Família Real Portuguesa, resultou na identificação das peças de mobiliário, cerâmica, vidro e escultura utilizadas nestas salas no tempo da monarquia, que voltam, agora, aos seus locais de origem. Forneceu, igualmente, dados que auxiliaram a seleção e a aquisição de quadros que pertenceram a D. Fernando II, de maneira a obter o efeito de pequena galeria de pintura.

 

Neste capítulo, destaca-se a compra das obras “Um pobre cego (do natural)”, do pintor Francisco Pinto da Costa (1826-1869); “Lavadeira”, pintada por Francisco de Resende (1825-1893); e um par de naturezas mortas, sob o tema “Flores”, do artista flamengo Gaspar Peeter II Verbruggen (1664-1730).

 

Expostos nestas divisões estão, também, alguns quadros que representam a paisagem sintrense e o Palácio da Pena da autoria do pintor naturalista João Cristino da Silva (1829-1877), a quem D. Fernando II comprou diversas obras.

 

Regressam à Primeira Sala de Passagem – referida pelo estucador Domingos Meira nas suas faturas como “Sala de Pintura d’Entrada ao Atelier” – peças de mobiliário português antigo que o Rei-Artista escolheu para este compartimento: um contador, uma arca e um armário neogótico, que exibe parte da sua coleção de vidros. Foram, também, identificados e devolvidos ao espaço outros objetos que ali se encontravam no tempo do monarca, como um par de jarras em faiança com parras e uvas, de origem germânica, e uma terrina em forma de lebre, de manufatura francesa.

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Na Segunda Sala de Passagem, recupera-se o ambiente exótico pretendido por D. Fernando II com peças de cariz oriental ou orientalizante que selecionou para esta divisão, com destaque para duas arcas fabricadas na Índia, um par de esculturas em cerâmica representando um homem e uma mulher de origem chinesa e um perfumador de grés negro de produção chinesa.

 

Na mesma linha da reconstituição historicamente informada destas salas foi desenvolvida investigação sobre as cortinas utilizadas no período da monarquia, tendo-se optado por cortinas em renda de Nottingham (Escócia) da marca Cooper Lace, produzidas em tear histórico, por corresponderem às referências encontradas em inventários e iconografia da época.

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A intervenção nas Salas de Passagem, designadamente a recuperação dos seus revestimentos, enquadra-se na estratégia global de salvaguarda do património sob gestão da Parques de Sintra, que visa conservar e recuperar a autenticidade do conjunto de elevado valor histórico que o Palácio Nacional da Pena constitui, melhorando a leitura e experiência de visita ao monumento. De acordo com o plano previamente estabelecido, prevê-se que os trabalhos de conservação e restauro dos revestimentos interiores continuem nos restantes espaços do piso nobre do Palácio. 

 

Simultaneamente, a musealização das referidas divisões integra o projeto global que vem sendo implementado nos interiores do Palácio Nacional da Pena, com vista à reconstituição histórica dos ambientes domésticos que marcaram a vivência da Família Real neste monumento. Para tal, tem sido levada a cabo uma profunda investigação histórica, apoiada em fontes documentais e em iconografia da época.