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D. Carlota Joaquina, a princesa ‘mimada’ que se tornou ‘a megera de Queluz’

25 abr. 2025

Quando pensamos num conto de fadas, imaginamos um grande palácio, do mais luxuoso que há, habitado por uma princesa que gosta do bom e do melhor, que usa vestidos maravilhosos, que exibe as joias mais bonitas do reino e vive a vida com que todos os súbditos sonham. A infância de D. Carlota Joaquina em Queluz assemelhou-se muito a esta descrição, mas, como vivemos no mundo real, a vida da futura rainha de Portugal foi, na verdade, bastante mais complexa e desafiante.

 

Filha de Carlos IV de Espanha e da sua mulher Maria Luísa de Parma, Carlota Joaquina de Bourbon nasceu a 25 de abril de 1775 no Palácio Real de Aranjuez, em Madrid. Como era comum nesta altura, a princesa tinha apenas três anos quando começaram as negociações para o seu casamento. Aos 10, casou com o infante João, filho de D. Maria I, rainha de Portugal.

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Uma infância com chocolate quente a esfriar e linguados pelo ar

O seu marido era apenas oito anos mais velho, mas, nesta fase da vida, a diferença de idades era notória. O próprio D. João deu conta disso, numa carta enviada à irmã, em setembro de 1785: “Ela dá mais trabalho às criadas que tu. Sempre que nas quintas a vejo no carrinho, se me renovam muito as saudades e algumas vezes, que vejo ir a merenda, também me lembro que tu fazias o mesmo. Ela é muito esperta e tem muito juízo, só o que tem é ser muito piquena e eu gosto muito dela, mas por isso, não te deixo de ter igual amor (…)”.

 

Ao chegar a Portugal, D. Carlota Joaquina passou grande parte do seu tempo em Queluz. Lendo as cartas da sua ama, Miquelina, poderíamos pensar que estamos perante uma verdadeira princesa das histórias efabuladas, com os seus humores peculiares e as suas manias intransigentes:  "Senhora, ontem e hoje Sua Alteza [Carlota] tem estado muito teimosa, sem querer fazer nada do que lhe dizem (…) Esta manhã, para calçar-se, colocar o espartilho e tomar chocolate, ficou das oito até às dez, e quanto mais lhe pediam que se apressasse, mais ela se calava e demorava ainda mais. Quando tomava o chocolate, estava presente a Infanta Dona Mariana, que esta manhã disse que em toda a sua vida nunca viu alguém demorar tanto para tomar chocolate, pois ela levou três quartos de hora”, lê-se numa carta enviada à Princesa das Astúrias, mãe de Carlota Joaquina, em 1785.

 

Nesse mesmo ano, Miquelina volta a descrever duas situações em que D. Carlota Joaquina deu ‘um ar da sua graça’: "Não posso deixar de dizer a Vossa Alteza que nestes dias Sua Alteza [Carlota] tem estado muito impertinente, com modos muito rudes, e tem feito muito mal as lições, especialmente a do padre Felipe (…) Também no sábado, enquanto almoçava com o infante [Dom João], pegou um pedaço de linguado e atirou-o contra uma camareira que estava a servir à mesa. Parte acertou no rosto do senhor Infante, o que ele não gostou nada, embora Sua Alteza tenha se desculpado dizendo que não fizera de propósito (…)”.

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Do Brasil a Portugal, sempre com ambições políticas

D. João (agora, D. João VI) e D. Carlota Joaquina tiveram 9 filhos – seis nasceram no Palácio de Queluz, incluindo o futuro D. Pedro IV (também D. Pedro I do Brasil) e D. Miguel, protagonistas da Guerra Civil Portuguesa. Mas Carlota Joaquina não foi apenas uma mãe dedicada – a rainha tinha aspirações políticas e um desejo de poder tal, que, em 1806, chegou a conspirar contra o marido, tentando assumir a regência do reino quando D. João VI estava doente. O plano acabou por ser descoberto e, evitando um escândalo público, o rei passa a residir em Mafra, deixando D. Carlota Joaquina sozinha em Queluz.

 

Mais tarde, em 1808, D. João VI consegue ‘enganar’ Napoleão Bonaparte: o imperador francês invade Portugal, mas o monarca português transfere a corte portuguesa para o Brasil, impedindo assim a usurpação da coroa. Durante a estadia no Brasil, D. Carlota Joaquina continuava a ter ambições políticas e, por isso, começou a conceber um plano que implicava a criação de um novo reino nas províncias espanholas da América, o Vice-Reino do Rio da Prata, onde poderia governar como regente em nome do seu irmão Fernando VII. Também este plano acabou por falhar.

 

Com a Revolução Liberal, D. Carlota Joaquina vê-se envolvida numa nova trama política – a Rainha recusou-se a jurar a Constituição de 1822 e foi deportada para o Palácio do Ramalhão, em Sintra. É nessa altura que ajuda D. Miguel, o filho de quem era mais próxima, a planear a insurreição contra os liberais. Começa assim a Guerra Civil. Pelo meio, D. Carlota Joaquina continua a alimentar a intriga política e a apoiar a causa Absolutista, sempre com o objetivo de afastar o seu marido e de colocar D. Miguel no trono. Mais uma vez, nada correu como previsto: os planos foram descobertos, D. Miguel foi enviado para o exílio e D. Carlota Joaquina foi desterrada mais uma vez para Queluz, estando impedida para sempre de aparecer na corte. É no meio deste turbilhão político que surge a expressão ‘Megera de Queluz’, cunhada pelos liberais e usada mais tarde por vários autores, como Camilo Castelo Branco, Oliveira Martins ou Raul Brandão.

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A heroína dos Absolutistas

Dizia-se que, para grande tristeza da rainha, D. Miguel a teria ignorado por completo aquando do seu regresso a Portugal e subida ao trono, em 1828, e que, dois anos depois, por desgosto ou não, a monarca acabaria por morrer sozinha em Queluz. Este seria um final digno de uma história infantil, com uma espécie de ‘lição de moral’ associada. Mas a verdade é bastante mais simples: nos últimos anos de vida, D. Carlota Joaquina encontrava-se bastante doente, pelo que dificilmente poderia tomar parte ativa no reinado do filho. Acabou por ficar (por opção ou não, eis a incógnita) isolada em Queluz, mas não esquecida, como se fez crer ao longo de muitos – As exéquias que tiveram lugar na capela do Palácio de Queluz celebraram-na como uma heroína do Absolutismo: "Seu Esposo atenuado e combatido por mil vicissitudes políticas e fraudulentas; seu Augusto Filho, caro objeto da sua ternura, perseguido, desterrado e deprimido; a Pátria em fim de Afonso e os Portugueses submersos e sempre agrilhoados por inimigos externos, domésticos e incansáveis, encontrarão sempre nesta Heroica Rainha um baluarte, um apoio, um centro comum de união para destruir e desfazer os iníquos estratagemas do refalsado Liberalismo (…) Era justo pois, Augusto Rei, e Senhor Nosso, que se lhe consagrasse esta fúnebre e solene pompa, para honrar sua preciosa e imortal Memória".

 

Pinturas do acervo do Palácio Nacional de Queluz. Créditos fotográficos: MMP/ADF