
Música
Noites de Queluz
Tempestade e Galanterie
Noites de Queluz - Tempestade e Galanterie
A Temporada de Música da Parques de Sintra, organizada em parceria com o Centro de Estudos Musicais Setecentistas de Portugal – Divino Sospiro e com direção artística de Massimo Mazzeo, regressa, aos poucos, ao modelo pré-pandemia. Em face do surto de Covid-19 que se propagou rapidamente pelo planeta no início de 2020 e que ainda hoje continua a ser combatido em várias frentes, a 7ª edição da temporada centrou-se, este ano, nos “Serões Musicais no Palácio da Pena”, que se realizou excecionalmente em maio, e nas “Noites de Queluz – Tempestade e Galanterie”, que arranca a 15 de outubro.
Com a sua Temporada de Música, ano após ano, a Parques de Sintra tem vindo a proporcionar ao público a possibilidade de reviver a memória imaterial dos Palácios Nacionais da Pena, Sintra e Queluz através da música que animou estes monumentos nas respetivas épocas de vivência. Em 2021, os Serões Musicais voltaram a fazer ecoar no Salão Nobre do Palácio da Pena a música que se ouvia durante os concertos intimistas organizados pela Família Real. Em outubro e novembro, revive-se o esplendor setecentista nas “Noites de Queluz”, através das interpretações únicas de alguns dos mais conceituados artistas.
Com todas as condições de segurança acauteladas, a música volta assim a encher as salas dos palácios de Sintra e os ouvidos de quem procura um programa de excelência.

Imaginar um programa musical é um exercício a que as direções artísticas de todo o mundo estão desde sempre habituadas. Não faltam, naturalmente, no vasto repertório da música, obras-primas imortais que, num clima de reflexão, assumem um significado ainda mais evidente e revelam claramente todo o seu valor. Limitarmo-nos hoje a este exercício seria, no entanto, redutor, se pensarmos no que de um modo mais profundo significa fazer música, projetar acontecimentos para a ouvir, produzir eventos de relevo cultural. A música, como a arte e a cultura em geral, assume nos nossos dias um valor que transcende os próprios conteúdos, e que passa a ser algo muito diferente, e muito mais. É um momento de partilha, de reflexão, de contemplação do presente. Do nosso ser – ou não ser suficientemente – comunidade. Um reencontro com uma memória coletiva que amplia os dramas do presente e que nos recorda que ser comunidade, povo, nação significa compartilhar raízes e um destino. É este espírito que com todas as nossas forças buscamos perseguir e respeitar. Interior, recíproco. Esta Temporada nasce precisamente desta determinação. Os concertos para os ciclos de música da temporada de música da PSML têm como protagonistas artistas de grande relevo internacional e suscitam motivos de interesse que vão muito para além dos seus intrínsecos, inegáveis e valiosos méritos musicais a artísticos. Devem ser vistos como um único grande encontro em três etapas (Sintra, Queluz, Pena), painéis de um tríptico sobre o qual é de bom conselho manter um olhar aberto, em torno e sobretudo dentro de nós. Cada um de nós poderá deixar-se imergir na música, nos sons e nas imagens dos magníficos palácios de Sintra que acolhem os concertos. O nosso desígnio é o que foi exposto: que estas obras-primas intemporais, fruídas na silenciosa intimidade pessoal, assistindo presencialmente aos concertos ou em casa, possam ser plena expressão de um valor comunitário e ritual vasto e denso, que transcende o tempo e o espaço, e que se mantém intacto através dos séculos. Um valor que se torna espiritual, vasto e inclusivo.
Cada época tem o seu próprio estilo e adota as formas em que melhor se revê. A nossa, cujo caráter apenas será legível numa perspetiva histórica, vive de fortes contrastes, de contradições, na incessante e desesperada busca de sentido. Mais uma vez, emerge a vontade de testemunhar que a música cumprirá o seu papel na contemporaneidade se – e apenas se – recuperar a sua faculdade poética. A prodigiosa capacidade de criar valor e de dar profundo significado à experiência de ouvir.
Há cerca de seis anos realizou-se o primeiro ciclo de concertos na Sala do Trono do Palácio Nacional de Queluz. Esse acontecimento levou-nos a tomar consciência de uma lacuna inegável no nosso sistema de proposta cultural local. Apesar de vivermos num ambiente onde era manifesto que o idioma barroco formava parte endémica integrante da nossa experiência estética, quando a nossa capital estivera na vanguarda do estilo arquitetónico, não existia um festival musical específico capaz de completar e valorizar os elementos artísticos, culturais e arquitetónicos, renascentistas, barrocos e rococó que nos rodeavam.
Este facto constituiu, desde início, o pressuposto que conduziu à primeira temporada musical da PSML em 2014; o mês de março desse ano foi o antecedente de um período a partir do qual podemos efetivamente incrementar uma ideia de turismo cultural do modo intelectualmente mais cativante possível.
Vivemos, neste momento, a sexta edição, cujo programa pode ser consultado nesta brochura. Se por um lado é evidente que, do ponto de vista da programação, nunca esteve associado à ideia de um único núcleo temático: de certo modo, há sempre qualquer coisa que distingue um festival dos outros. Este ano encontramos no elemento da “movimentação e migração”, num especial género de repertórios, e que atravessa todo o programa, um ponto fundamental de reflexão. O tema das migrações e das movimentações da cultura e da tradição territorial, dos seus intérpretes, diria do conhecimento tout-court, está na base da própria ideia de pátria comum europeia.
Para nos limitarmos a um exemplo específico e prático, os nossos compositores iam estudar para Roma e Nápoles e muitos deles fixaram-se naquela “expressão geográfica” que era a Itália de então. Ao mesmo tempo, Roma, Lisboa e as grandes capitais europeias constituíam o terreno perfeito para os compositores de outros países aí se fixarem e influenciarem, ou absorverem, a estética de cada “enclave” cultural, adaptando-se e contribuindo para o desenvolvimento da linguagem, dos instrumentos, do repertório, inspirando-se na fundamental questão da compreensão e da razão. Exemplo perfeito disso são os compositores portugueses como Almeida, Teixeira, Leal Moreira, Sousa Carvalho em Itália, ou Domenico Scarlatti, Perez, Avondano (na realidade português), Jommelli em Portugal, que além de serem maestros na corte ou na Sé de Lisboa, compuseram obras para as mais prestigiosas casas de espetáculo em toda a Europa.
Isso mesmo transparece das iniciativas projetadas no âmbito da presente temporada de concertos, da qual posso recordar a execução das Serenatas, realizadas aqui em Queluz nestes últimos anos, escritas por vários compositores, portugueses e estrangeiros, propositadamente para este Palácio.
Ao mesmo tempo, a nossa busca da excelência artística e interpretativa continua a guiar-se por este histórico palácio construído no século XVIII, situado numa moldura magnífica entre Lisboa e Sintra, transformando-o na opulenta moldura daquele que se está a tornar num dos melhores festivais de música antiga do país.
Massimo Mazzeo
Diretor Artístico
